Quando uma cultura deixa de usar seu sistema de escrita, parte de sua história e identidade – registrada em textos sagrados, poemas e documentos – corre o risco de se perder.
Do jornal NEXO
Há mais de 6.000 idiomas falados no mundo, muitos deles também em vias de serem extintos. Nem toda língua, porém, tem um sistema de escrita próprio: estes estariam na casa de uma centena e grande parte vem sendo suprimida pelos sistemas de escrita dominantes no mundo, como o alfabeto latino e o árabe.
Veja aqui: Atlas dos Alfabetos em Vias de Extinção
Preservar esses alfabetos se torna ainda mais difícil em um contexto global conectado, intensamente dominado por telas que impõem, via de regra, a língua inglesa e o alfabeto latino.
Entretanto, culturas minoritárias têm se organizado para manter vivos seus alfabetos, transmitindo-os às novas gerações e criando ferramentas digitais para torná-los acessíveis.
O Atlas dos alfabetos ameaçados é uma dessas iniciativas. Parte do Endangered Alphabets Project, criado pelo americano Tim Brookes, o site lista quase 90 sistemas que podem desaparecer em breve. Além disso, localiza esses sistemas de escrita geograficamente e traz informações sobre cada um deles.
3 exemplos
ADLAM
Foi criado nos anos 1980 pelos irmãos Abdoulaye e Ibrahima Barry como representação escrita para a língua fulani, falada na República da Guiné, país da África Ocidental.
COPTA
A escrita copta é milenar e já foi, assim como a língua, oficial no Egito (por volta do ano 600 d.C.). Seu uso começou a entrar em declínio um pouco mais tarde, a partir da conquista muçulmana do território egípcio. Os coptas se tornaram uma minoria religiosa no país africano e, embora tenham continuado a usar sua língua e escrita nas liturgias, tiveram que se adequar ao domínio da língua e escrita árabes.
MARMA
Usada pela comunidade étnica de mesmo nome que vive nas Colinas de Chittagong, no sudeste de Bangladesh, e também em outros territórios, como na Índia e Myanmar. Com a independência de Bangladesh em 1971, o bengali se tornou a língua oficial do país, ensinada nas escolas. Isso acabou excluindo muitos marmas do ensino formal, já que o bengali não é sequer a segunda língua para vários deles, e fez com que boa parte da comunidade hoje não saiba ler e escrever em marma.
O que entra na definição de ‘ameaçado’ – Segundo o site, não existem estatísticas sobre os sistemas de escrita atualmente em uso no mundo. Por isso, a definição de “risco de extinção” usada pelo atlas não é exata, mas se baseia em algumas diretrizes.
A principal é que são incluídas no mapa escritas que não têm status oficial em seu país, estado ou província, e tampouco são ensinadas em escolas públicas.
O objetivo é reunir sistemas de escrita de povos indígenas e culturas minoritárias em geral que correm risco de “perder seu senso de história e identidade” e que estejam tentando proteger, preservar ou reviver esses sistemas “como forma de se conectar com seu passado e sua dignidade”, segundo afirma o site do Atlas.
O atlas não abrange somente escritas antigas que estejam desaparecendo, mas aquelas cujo surgimento é relativamente recente (datando de algumas décadas ou algumas centenas de anos). São sistemas criados com a finalidade de representar de maneira adequada a variação de sons e expressões de uma língua falada. Estes também são considerados sob ameaça “da mesma maneira que todo recém-nascido está ameaçado”. Em alguns casos, esses novos alfabetos foram tão bem-sucedidos e largamente aceitos que se tornaram uma ameaça à autoridade constituída, que por isso buscou eliminá-los.
Como um alfabeto desaparece – Muitos dos sistemas de escrita hoje ameaçados já foram centrais em culturas estabelecidas, mas entraram em declínio com a perda de status ou de território de seus respectivos grupos. Normalmente isso decorre de um processo de dominação, em que o grupo que perde sua língua ou seu alfabeto está sendo coagido ou perseguido por um grupo dominante.
Com frequência, governos também contribuem para esse processo de apagamento ao determinar o ensino de uma língua oficial em detrimento das outras faladas no território. Em Bangladesh, por exemplo, o bengali – que havia adquirido importância simbólica na guerra de independência em relação ao Paquistão – passou a ser a língua (portanto, o sistema de escrita) oficial na década de 1970, prejudicando a transmissão de outros sistemas de escrita.